Existe uma sutileza amorosa por trás dos tropeços e tombos que a vida vai nos fazendo tomar pelo caminho. Muito do que vivemos, nas alegrias e tristezas diárias, por mais que façamos interpretações pelo nosso ângulo de visão, é apenas a vida acontecendo.

Anos atrás, quando descobri Peanuts, decorei uma frase da Marcie, que está no A vida segundo Peanuts, “A vida tem dias de sol e de chuva, senhor…dias e noites…picos e vales”. Pois é, a vida acontece em seus picos e vales, em tombos e sorrisos. E não aprender desde cedo a descer e subir ladeiras, e a cuidar das feridas quando caímos da bicicleta, é o que torna a vida mais difícil do que ela já pode ser.

Um segundo nível dos vales se pode chamar de problemas. É, a vida também acontece através de problemas e cada um nos vai sendo apresentado a medida que as fases vão passando. A noção de problemas nos é dada, inicialmente de uma forma enfadonha. A primeira vez que devo ter ouvido falar foi quando me perguntaram quantas maçãs João tinha depois de ter dado 2 das 5 que tinha comprado. Problema já tem cara de matemática. Talvez por isso a maioria continue fugindo deles, quando, na verdade, eles aparecem com uma única necessidade: solução.

Na vida, as questões estão mais para uma equação logarítimica do que para as maçãs de João, eu sei. Como dissolver um problema que pode, a alguns olhos, parecer “o fim do mundo”? É importante, antes de mais nada, saber que é a forma de interpretar os problemas que mais nos trava diante deles. O que nos é pedido, quando um problema aparece, é o máximo de ação que pudermos dar, um problema não é uma batalha emocional.

Todo problema, comece a tentar enxergar assim, é um desejo de amadurecimento. É um presente para que a personalidade se modele, cresça, vertical e horizontalmente.

O terceiro nível da vida acontece quando o sofrimento cai no colo sem que você faça nada. Esse incômodo que, diferente dos problemas, vai precisar mexer nas emoções, faz doer, desestabiliza, tem duas caras: uma completamente evitável, tal e qual erva daninha que quando se percebe, basta cortar pela raiz. Mas tem outra que, uma vez instalada, não da para se livrar. É um pacote desses que pelo embrulho você já percebe que não era a surpresa que se esperava, mas tem que receber o presente mesmo assim e tentar fazer o melhor com ele.

Os sofrimentos inevitáveis são daqueles mais difíceis de lidar, muitas vezes, porque nos falta aceitar que é aquilo mesmo que temos. E aqui acontecem os desesperos, que é quando não se acha motivo na vida para aquele sofrimento acontecer. Ou pelo menos foi assim que o Viktor Frankl explicou.

Isso porque dentro de nós há um desejo de encontrar uma explicação para tudo. E, quando o sofrimento aparece, é natural que se queira encaixar ele em alguma gaveta dessas que está tudo disposto, milimetricamente, em caixas de acrílico feitas na medida da gaveta. Parece que é um desejo de enquadrar a vida como se quer. E isso tem um nome – um sofrimento na alma.

A verdade é que quando há um sofrimento do tipo inevitável, a vida não pede gavetas arrumadas, pede que novas gavetas sejam abertas. Ou que se vá arrumar o que já se tem para caber algo novo. Eles pedem que criemos espaço. E criar espaço para o que não foi planejado é bem mais difícil. Só que a dificuldade aumenta quando a nossa vontade aponta mais para o desejo do entender o motivo daquilo ter acontecido do que para o ato de abrir o coração e reorganizar tudo a partir dessa nova dor.

É a partir disso que se percebe um quarto nível aparecendo na vida, o campo dos mistérios. Nesse caso, não é necessário fazer o que devemos fazer com os problemas: ter calma e disposição para resolver. Quando o mistério aparece na nossa vida, aparece como um chamado a uma vida mais pessoal e interiorizada. Nesse caso, só precisamos olhar para o mistério e nos perguntar: como esse mistério entra em mim e para onde o levo, o que posso fazer com ele? Afinal de contas, o papel do mistério, do milagre, é pura e, simplesmente, iluminar.


Se você prestar atenção, o que mais aparece no dia a dia são mesmo os tombos e os problemas e eles vão ganhando um tamanho desproporcional, apenas por que não gastamos tempo tentando diferenciar cada um desses níveis.

E o relógio do tempo não sustenta a agenda porque os imprevistos vão sufocando o cronograma. A impaciência com os imprevistos ganha mais espaço no coração do que a avaliação dos problemas. Os problemas começam a assustar mais do que as equações de segundo grau no fundamental e perdem o caráter resolutivo.

Cada um com seu tombo, é claro. E é por isso que qualquer que seja o tombo, há um sentido em baquear. Há algo na vida que será explicado, trabalhado, sustentado, cutucado por esse tombo que se quer afastar, esquecer, colocar debaixo do tapete.

Vou dar um exemplo sobre a minha vivência de altos voos e quedas livres nessa vida. Precisei aprender que os sonhos podem existir, mas que eles não podem ser o motor da vida porque não sustentam a realidade. A realidade é maior que os sonhos.

Fato é que se a gente sonha muito alto, a queda – ou a famosa frustração – é mais dolorida. E foram muitas quedas livres entre a adolescência e o começo da vida adulta por sonhos frustrados. Até que eu entendi: não é disso que se vive – dos sonhos, no caso. Apesar deles colorirem a vida, o preto e branco da realidade tem uma imponência e é o que, no fundo, nos sustenta.

As minhas quedas livres tiveram a sutileza amorosa de me ensinar qual deve ser o tamanho do meu voo. Aprendi sobre limites. E, talvez, para outros, isso não seria uma sutileza amorosa. Passaria desapercebido pela consciência.

Algumas coisas que parecem ruins tem o peso amoroso, só que ele está escondido no desconforto. E o desconforto tem a medida certa do amor, olha que paradoxo. Pois é. Manoel de Barros escreveu que “A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela.” Isso porque, talvez, essa gente que não quer percorrer os caminhos paradoxais das sutilezas.

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