Li O pequeno príncipe ainda na adolescência e, diferente da maioria que a minha volta falava do livro, eu não tinha encontrado algo tão grandioso assim na leitura. Mas fiquei calada, até hoje.
Tenho desfrutado do hábito da introspecção para a maioria das coisas e percebi que, se soubermos desenvolver esse recolhimento o fruto produzido valerá a pena, nem será colhido antes do tempo e nem cairá do pé maduro porque ninguém se interessou em colher no tempo certo.
Não sabemos – e ao mesmo tempo, um dia saberemos – ao certo qual é o tempo da colheita das nossas ideias, quando elas estão verdadeiramente prontas para serem divididas com outros. Mas há algo que, se conseguimos treinar, sinaliza o momento que já dá para dividir com alguém.
Dividir, por exemplo, é uma propriedade matemática, talvez muitos a encarem apenas pelo mundo da lógica. Só que como eu sempre fui mais das letras do que dos números, sempre também prestei mais atenção que dividir é também somar. Se divido o que tenho com quem amo estou, ao fim, somando na vida dele. E é assim que se multiplica o amor, dividindo as coisas que importam com quem a gente quer somar na vida.
É como disse, talvez demore para ser firme sobre alguma ideia como essa. Passei a adolescência achando que amor era só somar, por exemplo. É capaz desse ser o motivo de não ter conseguido me dedicar tanto a matemática na escola. Ela, e a vida, não são tão reduzidas assim.
Hoje eu também tenho mais clareza de que em cada passo dado a vida escancara sua a maior qualidade: os fatos, a concretude. O problema é que nem sempre estamos de olhos abertos para a realidade. Precisamos lembrar de olhar para fora, como disse Viktor Frankl, abrir a nossa porta para fora.
Amar é poder dar ao outro essa constante lembrança: abra os olhos. Abra os olhos para aquilo que a vida exige de você. Abra os olhos para as infinitas possibilidades que moram em você.
Todas as vezes que abrirmos nossos olhos, precisamos enxergar que há no outro um espaço vazio capaz de ser preenchido com o nosso amor. É preciso ter alguém ao lado que esteja disposto a sussurrar no seu ouvido o motivo que você tem para abrir os olhos à realidade, mesmo que sua tendência te faça querer fechar.
Nosso trabalho não começa ao sair de casa e bater o cartão pelo salário ao final do mês, começa no olhar que temos aos nossos. E a recompensa não é o extraordinário, mas é a riqueza de ver o fruto que só o trabalho amoroso permite: reconstruir a grande miséria que somos, ordinariamente. Um pelo olhar do outro.
Isso resume um pouco do casamento. Amor real, olhos atentos, coração disposto. Mas só aprenderemos isso na humildade e atenção para o Amor. Só preenchidos é que transbordamos para encher um ao outro – como diz o clichê por aí.
Se todos os dias os nossos olhos se abrissem para ver o melhor do outro, suas infinitas possibilidades, o amor no casamento seria menos pesado.
Abrir os olhos ao mistério que acontece no cotidiano é uma grandeza dos que não estão buscando, mas vivendo o amor. Daqueles que não vivem ansiosos apenas esperando a rosa.
Eu até entendo o que escreveu o Saint-Exupéry no pequeno príncipe, mas o essencial tem que ser visível aos olhos, todos os dias.